CARMEN BLÁSQUEZ DE POLANCO
Adriano Carvalhal, licenciado em economia, descobre que a importância das coisas está directamente relacionada com o espólio de cada existência.
Carmen Blásquez de Polanco uma luso-espanhola de aparência extravagante esconde uma mágoa profunda.
Adriano Carvalhal: «Existem mentes que se deixam conduzir por uma curiosidade perversa, que tudo serve para ocupar o tempo com suposições meramente especulativas, que a pouco e pouco se transformam em certezas absolutas. Eu alimento-lhes a fantasia.»
Carmen Polanco: «Yo soy um ejemplo positivo de tenacidade e alegria para los demás, no entanto vive dientro de mi una otra mujer que ninguêm vê mas que me faz compañia todas las noches.»
Adriano Carvalhal: «Existem mentes que se deixam conduzir por uma curiosidade perversa, que tudo serve para ocupar o tempo com suposições meramente especulativas, que a pouco e pouco se transformam em certezas absolutas. Eu alimento-lhes a fantasia.»
Carmen Polanco: «Yo soy um ejemplo positivo de tenacidade e alegria para los demás, no entanto vive dientro de mi una otra mujer que ninguêm vê mas que me faz compañia todas las noches.»
Duas almas sofridas que nada têm em comum mas que se cruzam nos meandros da vida, e os conflitos estalam…
Um homem que nada tem para oferecer...
Uma mulher que perdeu a capacidade de amar...
LA TASCA DE POLANCO
Caído numa falha do tempo, dou por mim debruçado sobre uma mesa redonda de tampo lascado a um canto manhoso da Tasca de Polanco mais conhecida na área pela casa da espanhola. Tenho
na minha frente uma gasosa, um pires salpicado de migalhas duma sandes dum
qualquer queijo fedorento (generosidade da casa), um maço de cigarros Definitivos - meu fiel companheiro das horas vivas,
que as mortas vêm a caminho - e um caderninho de capa preta onde vou rabiscando umas notas.
Esta
casa, onde agora deposito a maior parte do tempo a minha carcaça corroída pela
miséria, é antiga e decorada ao melhor estilo rasca das casas sevilhanas. Um
espaço pouco iluminado que nem as lentes de fundo de garrafa do velho Peralta,
num esforço de sobriedade, conseguiria vislumbrar as manchas de gordura
residentes no chão de mármore. Em pior estado, do que uma lápide centenária. Mas
à noite é assaltada por uma clientela tão díspar, que por vezes julgo estar numa
festa carnavalesca.
Se
noutros tempos a observasse apenas do exterior, não me passaria sequer pela
cabeça atravessar a portada carcomida pelos rigores
invernais. Julgando-me em perfeito juízo, classificaria este lugar abjecto,
indigno de ser frequentado por um licenciado em economia a exercer um cargo
superior no Ministério das Finanças. Mas agora, despojado de tudo, considero
esse raciocínio inválido. Descobri que o valor das coisas está directamente
relacionado com o espólio de cada existência.
Actualmente,
o que mais me preocupa é arranjar algo para comer, um lugar para pernoitar e
acordar no dia seguinte. Nada mais do que isso!
Há
cerca de quatro anos encetei um caminho sem regresso, deixando para trás tudo o
que se considera de vital importância para a dignidade dum pacato e honesto
cidadão. Descartei-me da família e dos amigos, para além de perder os bens que
possuía.
Perturba-me
encarar o reflexo dos estilhaços do passado e não sentir remorsos. Gostava de
sentir. Equivalia a estar vivo, por inteiro.
Tarde
demais cheguei à conclusão que a nossa vida é frágil, podendo a qualquer
momento desintegrar-se. Nada é garantido, ainda que vivamos alicerçados em
aparentes certezas… Estas, serão sempre ilusórias.
.
Nos
dias de hoje, a vida para mim pouco sentido tem. Passo-os mergulhado numa
apatia por tudo o que se passa ao meu redor. Borrifo-me para as
notícias calamitosas dos jornais que falam em rebentamentos de bombas algures
no país basco ou em qualquer país do oriente. Para as catástrofes mundiais,
para o desgoverno deste país que concorre para o crescente número de desempregados,
o que antigamente me punha em sobressalto. Para o descontentamento deste povo,
ao qual ainda pertenço mas já não conto para nada, a não ser para engrossar a
estatística de indigentes que esgravatam na podridão, desesperados por um naco de
pão bolorento para depois se eclipsarem nos recantos obscuros das
igrejas, nas escadarias do Metro ou tombados em qualquer valeta a espumar pela
boca com os fígados em vinha d’ alhos.
Se
antes era indiferente por defeito, agora alheio-me ao sofrimento dos outros
como um escudo invisível para não ver o reflexo do próprio descalabro.
Pouco me importa que alguém conhecido morra de frio, como aconteceu com a velha
Alzira, que falava repetidamente no marido cortado às postas pelo rodado de um
comboio, Ou seja preso, como o Fonseca que foi acusado de num supermercado meter no bolso da
gabardine surrada, um mísero canivete, daqueles que servem
para descascar a fruta ou fazer saltar a trampa das unhas.
Já
não tenho que fazer visitas a hospitais e ter de encarar, rostos amarelecidos de olhos
encovados com tubagens enfiadas em vários buracos do corpo, que um tipo até sai de lá
com as tripas amarfanhadas, desejando acabar com um tiro de caçadeira o
sofrimento do amigo. Nem assistir a funerais, com óculos escuros em dias de Inverno, para fingir um
desgosto, por quem foi toda vida, um grande filho da puta. Nem gramar
solenidades ou comemorações por cortesia. Aqueles fretezinhos detestáveis, aos
quais não nos podemos furtar, quando queremos manter relações convenientes, palmadinhas
nas costas e uma garrafinha de Whisky pelo Natal.
Melhor do que isso, é não me aparecer facturas para pagar, nem impostos que me roubem o sono.
Melhor do que isso, é não me aparecer facturas para pagar, nem impostos que me roubem o sono.
Maria de Fátima Gouveia